terça-feira, 20 de dezembro de 2016

A Lenda do Relógio de Aguiar


HISTÓRIA DO RELÓGIO DE AGUIAR
(Contada pelo Professor José Hermano Saraiva)

"Aguiar teve foral e por isso é vila e conta-se uma história em Aguiar, é uma história maliciosa e eu começo por dizer que é uma história que nunca aconteceu, não, ninguém se ofenda porque esta história por mais pitoresca que possa parecer nunca foi verdade.
Bom, a história relaciona-se com aquele relógio, estão a ver aquele relógio da igreja. Este relógio está a dizer ali que foi inaugurado em 1900 e cinquenta e tal, mas antes deste havia um outro, tem lá dentro a maquinaria, é quando apareceram os primeiros relógios, e a história que alguém contou foi esta. O padre que cá estava disse “ah, a gente precisava dum relógio, aqui ficava bem nesta igreja um relógio, porque esta igreja é muito antiga,
isto, esta, isto deve ter sido uma antiga igreja românica, ainda com o seu campanário, portanto isto é uma coisa com centenas de anos! Ficava aqui bem um relógio!” e pediu a toda a gente aqui da freguesia “dê qualquer coisinha para o relógio!”. Todas as famílias contribuíram com uma certa quantidade de dinheiro, e o padre saiu, foi a arranjar o relógio.
Andou por lá muito tempo, muito tempo, até que mandou um grande caixote a dizer “ai vai o relógio!” e juntou-se toda a gente ai, toda a gente, para ver o relógio, e diz, agora é a parte maliciosa da história, diz que aqui as moradoras diziam muito contentes “olha que, olha que o meu marido também ai tem parte, o mau marido também, também pagou, também ai tem parte! Também ai tem parte!”. Então não é quando se abre o caixote o que lá estava era uma colecção de cornos de boi, eram centenas que o homem tinha andado a comprar pelos talhos, havia cornos para toda a gente. Bom, esta história que evidentemente foi contada por alguém que queria, ridicularizar, queria ridicularizar aqui esta gente honrada do Aguiar. Talvez na altura em que o Aguiar deixou de pertencer ao concelho do Alvito, passou a pertencer ao concelho de Viana e isso originou uma, uma situação de tensão e de rixas. Pois apesar disso a história foi acreditada, e é verdade, é verdade que aqui há cem anos quem passasse por aqui, se encontrasse um morador não lhe podia perguntar “olhe lá que horas são? Porque os velhos moradores acreditaram na história e consideravam-se ofendidos se lhes perguntassem pelas horas, porque é claro perguntar pelas horas era falar em relógios, falar em relógios era, enfim, ofendê-los na sua dignidade. Eu acho muita graça, sobretudo ao facto da história tão absurda, ter sido acreditada, mas é curioso que na História de Portugal há imensas histórias que nunca aconteceram e em que toda a gente acreditou. Por exemplo, o milagre de Ourique, então, pois a bandeira nacional conta as, as armas que Nosso Senhor disse ao D. Afonso Henriques que havia de pôr na bandeira e ainda hoje elas lá estão na bandeira. As Cortes de Lamego, temos a certeza de que nunca houve as tais cortes de Lamego, pois durante séculos era o facto fundamental da tradição politica da monarquia portuguesa. O regresso de D. Sebastião, temos a certeza que o D. Sebastião nunca há de voltar, coitado, pois mataram-no e enterraram-no, como é que havia de voltar. Pois milhões de portugueses acreditaram no regresso de D. Sebastião. Isto impressiona-me, então como é que os portugueses acreditam nestas coisas, há tanta coisa que é verdade, e em que ninguém acredita, e tanta coisa em que toda a gente acredita e nunca foi verdade."



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