domingo, 1 de junho de 2014

Cheira a Alentejo...

Ainda gosto de grão e feijão mas em pequena adorava. Como em casa da mãe estes alimentos não se comiam muitas vezes, antes de partir de férias para a aldeia, já eu sonhava com o cheiro do cozido e o aroma da hortelã a perfumarem as manhãs da cozinha da avó. Nada era mais aliciante para sair da cama do que o cheiro que vinha da cozinha…
Quando os primeiros raios de sol se espreguiçavam nos montes ...que rodeavam a aldeia despertando gentes e bichos, ainda as brasas do dia anterior não tinham arrefecido na lareira. Para lhes dar nova vida, a avó juntava-lhes uns paus que ia buscar ao manturo.
Manturo era o nome que toda a gente dava às pilhas de lenha de azinho, de esteva e de aloendro que cada família erguia no quintal ou perto de casa. Os manturos, para minha felicidade, eram também a maternidade das gatas da aldeia que aí pariam e escondiam as crias até elas terem ânsia de espaço e saírem, cambaleantes, para o lugar onde o céu não cheirava a esteva…
Quando eu me levantava, o fogo já crepitava e pintava de negro a panela de barro. Lá dentro, a carne de salgadeira e os enchidos que antes tinham baloiçado na chaminé, misturavam-se harmoniosamente com os grãos ou os feijões e faziam nascer uma fonte na minha boca.
- O que é hoje o almoço, avó? - perguntava eu, comendo o pão da primeira refeição da manhã e bebendo o café acabado de fazer na cafeteira, recipiente que na aldeia se chamava chocolateira apesar de, quase de certeza, a grande maioria nunca ter conhecido o sabor do chocolate.
Grão ou feijão eram as palavras que tanto gostava de ouvir da boca da avó mas às vezes, e eu já sabia pelo cheiro, isso não acontecia. Era nesses dias que percorria as ruas da aldeia não só para os encontros de brincadeiras mas também para perguntar o que tinham para o almoço as tias, as primas, as comadres e aquelas que não sendo nem uma coisa nem outra poderiam ter, do meu ponto de vista, o almoço ideal. Normalmente tinha sorte, havia sempre um grão com massa, um feijão com arroz, um grão com abóbora, um feijão com batata-doce... Escolhida a ementa, a conversa com a cozinheira desenrolava-se em redor do cheirinho que vinha da panela e dos meus gostos culinários e normalmente terminava com um convite para o almoço.
Claro que sim, respondia eu, só preciso avisar a avó…
Corria a dar a notícia e ela achava graça e brincava com o facto de eu ter a sorte de ser tantas vezes “convidada” para almoçar. Ai, se ela soubesse!...

Texto gentilmente cedido pela nossa comadre Natércia Duarte,

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